Não gosto do modo como a Morte mata no frio. Mas fora isso...

(Uma visão meio-secular da história.)

Um dia, ao acaso ou não, vemos a Morte e pela primeira vez lhe prestamos atenção. A partir daí , a título de precaução e cuidados para evitá-la, começamos a buscar observá-la com frequência e de mais perto (temerária e temerosamente, digo-te).

Uma vez a vemos erguendo um prédio e nos surpreendemos: - olha só, a Morte é também construtora! E nos concedemos pensar que não deve ser de todo má.

Outra vez a vemos fabricando e vendendo remédios e nos admiramos: - sente enfim remorso e arrependimento. Pois se tenta recuperar...

Noutra vez a encontramos colocando postes e estendendo fios ao longo da estrada e sentimos no peito o fragor de um paradoxo: - a Morte é útil às vezes! Logo, pode ser até que tenha bom coração...

Noutra, sabemos pelos jornais que está empenhada em desenvolver a agricultura , a pecuária e até a pesca nacional. - Essa Morte parece ser uma cidadã exemplar.

A seguir nos contam que em seu tempo livre se dedica a valorizar e promover nossos clubes de futebol, filmes, novelas e redes de televisão. - A Morte é brasileira! Bradamos com nativo orgulho.

Ao sabermos de sua colaboração no desenvolvimento de novos produtos da indústria dos carros, do petróleo, dos celulares, da diversão, dos defensivos agrícolas e inseticidas, que tanto facilitam e abrilhantam nossa vida, exclamamos: - boa e bela Morte, muito obrigado!

Claro que nos incomoda um tanto saber que muitas vidas acabam cedo e mal, por causa direta dessas mesmas coisas boas que a Morte nos ajudou a conquistar. Mas nos consolamos: - se temos boas emoções e as sentimos com mais frequência e intensidade, que importa que o tempo seja menor? Ganha-se de um lado, perde-se (investe-se) de outro. É o Mercado, estúpido!

Logo concluímos que o modus operandi da Morte revelou-se uma boa prática e nos posicionamos: - a Morte é minha amiga, mexeu com ela mexeu comigo!

Depois disso vem a automática e necessária parte organizativa: a competitividade, os cursos, concursos, disputas, os planos de carreira, os negócios, os prêmios, a promoção, o reconhecimento e a diferenciação social, as ótimas aposentadorias para quem bem servir à causa. Alguns matarão e muitos morrerão por isto.

Por fim, porque sabemos bem sabido e comprovado que ninguém vive sem a Morte, e que não podemos vencê-la, então... Unimo-nos a ela, ora!

Comentários

Unknown disse…
Paz e bem!

"Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa Irmã a Morte corporal,
da qual nenhum homem vivo pode escapar."

Francisco de Assis em
Cântico do Irmão Sol. Vers. 12.