O Colecionador de Escritores mora em Valença



Tenho um amigo que coleciona escritores. Poetas, cronistas, contistas, romancistas, dramaturgos, essa laia toda, onde eventualmente me incluo. Ele procura, descobre, cata, organiza, guarda e de vez em quando faz uma mostra. Uma ocupação que não se pode chamar de trivial, mas que também não chega a ser uma raridade, pois se tem gente maluca o suficiente para ficar enfurnada a maior parte das boas horas dos dias em casa escrevendo, tem doido às pencas que usa suas melhores horas para ler o que aqueles escrevem, enquanto ali na rua a vida desfila de pernas de fora. Já os colecionadores, assim como os editores, críticos, resenhistas, bibliotecárias, essa malucada toda, faz uma espécie de meio de campo entre o primeiro e o segundo grupo de doidos.

Colecionar escritores não é assim uma inimaginável raridade, como já disse, exceto pelo modo como o faz este meu amigo. É preciso que se diga sobre ele que as tarefas que não sejam hercúleas não o divertem, sequer o atraem e por isto ele não as enceta. Assim foi que pesquisou muito, antes de achar o que fazer para eliminar totalmente suas horas de folga. Inicialmente havia descartado colecionar escritores por serem muito fáceis de achar e mesmo triviais na Internet e nas grandes cidades. Mas eis que teve um lampejo de gênio colecionador, aficcionado por raridades preciosas escondidas sob os escombros do tempo, em recônditos lugares desatentados pelo mundo e ainda desconhecidos das gentes. Resolveu que colecionaria escritores que não publicam na Internet, que vivem em cidades pequenas e que não sejam metidos a sebo.

Pois não é que o sacana descobriu uma mina deles em Valença, pequena e simpática cidade costeira da Bahia – digo porque já estive lá e vi. Já fez três concorridas exposições de seus achados, estando os registros das duas mais recentes na foto aí em cima (onde faço os livros de orelhas, em vez das orelhas dos livros).

Garimpou lá em Valença e arredores 16 (dezesseis!) itens para sua preciosa coleção. De onde desencavou ele tantas gemas, algumas delas nunca lapidadas, outras sequer vistas antes? Ora, acreditem-me: revirando enfermarias de hospitais encontrou várias, em escuras tabernas outras, tropeçou em algumas dormitando contemplativas à clara sombra dos coqueirais e em pequenas e esquecidas escolas viu a luz de outras mais. Não duvido que tenha achado algumas sob centenários ladrilhos portugueses ou imersas no barro de desfeitos tijolos de senzalas ancestrais. Quem poderia supor tamanho sucesso nessa sua empreitada, que na prática elevou o ato de colecionar ao status de arte?

Essas inestimáveis e estimadíssimas descobertas de colecionador são Amália Grimaldi, Celeste Martinez, Débora Zeferino, Macária Andrade, Maria do Perpétuo Socorro Magalhães da Silva, Maria Raimunda Almeida Silva, Rosângela Góes de Queiroz Figueiredo, Alfredo Gonçalves, Carlos Magno de Melo, Ivanmar de Queiroz, José Juliano Souza Britto, Marcos Vieira, Moacir saraiva, mustafá Rosemberg de Sousa, Otávio Campos mota Nunes e Ubiraci Lima oliveira.

Só não pensem que o colecionador está contente, pois não está. Homem forjado no sertão baiano e militar temperado na resistência brasileira ao golpe de 64 desferido pelos capachos da CIA, organizador e combatente da primeira guerrilha contra aqueles usurpadores, ele não está nada satisfeito com 16 nomes na coleção – quer pelo menos reunir um pelotão, com o que pretende uma nova resistência, desta vez ao golpe da alienação, da indiferença, do aculturamento, da inação – que é o oposto de ação e de nação.

Além desta sua distração de colecionar e apresentar escritores é idealizador, fundador, construtor e mantenedor de uma instituição de promoção cultural, a FUNCEA, e de uma academia de letras, a AVELA, ambas em Valença, bem como é membro atuante de algumas outras academias baianas e latino-americanas de letras e artes. É Conselheiro Estadual de Cultura, do tipo que comparece e valoriza a todas as reuniões semanais em Salvador, que fica a quase 300 km de distância de Valença, por terra e mar, e desta forma enriquece ao povo e à cultura baianos.

Por ser fato público e notório, na Bahia e em muitos outros lugares do Brasil e da América do Sul, quase que deixo de dizer que ele escreve -  contos, crônicas, romances, relatos históricos, pesquisas filológicas, literárias, cinematográficas e outras mais, puxando à crônica e ao romance - e que o faz com maestria igual  ou superior à que aplica ao exercício da sua arte de colecionador. 

Fora essas atividades principais ele ainda tem uma meia dúzia de ofícios secundários que não vou mencionar aqui, mas que cumprem as funções pertinentes e mais aquela por ele estabelecida que é não lhe permitir uma única hora ociosa.

Obviamente ele se dá a esse luxo laborioso por ser bastante jovem, impetuoso, empolgado com a vida e com o compartilhamento das exuberantes experiências que esta proporciona a todos e ainda mais aos homens e mulheres de ação feito ele. Para celebrar todos esses sucessos e dar vazão à sua empolgada energia juvenil, nunca excessiva porém sempre irresistível aos que lhe são próximos, fará no próximo dia 20 de maio um bota fora rega bofes com muito chope e dança, pois não é todo dia, nem são todos os guris, rapazes ou homens feitos que podem contar 75 anos de bons e proveitosos serviços, alegrias, amizades e amores – próximos e em lonjuras – passados, presentes e futuros, sabidos e inesperados, ungidos por fartura, razão, intensidade e sentido – como tem feito este jovem ajuizado, que nem por isso reprime o ativo ímpeto original.

A este índio velho que sabe ser menino, a este guri que soube se fazer homem e manter-se, a este homem e a este guri parabenizo, agradeço e admiro pela generosidade com que tem compartilhado o que sabe e o que inventa e, principalmente, fundamentalmente, dedico-lhe minha chucra e orgulhosa emoção pela amizade com que tem me premiado. Meu caro, impagável na verdade, amigo Araken Vaz Galvão.

www.olobo.net
arakenvaz.blogspot.com 

Comentários

Jens disse…
Uma das mais belas homenagens que já li. Parabéns ao Araken, o homenageado, e ao autor.
***
Quanto aquele chopinho, vamos marcar no Tuim qualquer hora destas. Te envio um email.

Um abraço.
Omar disse…
Colecionar escritores é fácil.
Quero ver colecionar exegetas...
Abraço
Eliane Accioly disse…
Caso você também seja chegado a escritores, aqui há uma, na tarefa solitária de escrevinhar... :)
Obrigada por estar comigo no (s) blog (s).
Um abraço.
Jean Scharlau disse…
Grato pela companhia, Eliane. Gosto dessa atividade de lerpensarescrever. Abraço!