Alguns passos à frente, por favor!

Vivemos tempo demais numa sociedade excludente e super preconceituosa com os excluídos, tidos por deficitários, incapazes de conquistar seu lugar à sombra e água fresca, imerecedores e ameaçadores a nós outros. Por tempo demais admiramos os privilegiados como se fossem conquistadores de grande mérito, mesmo os que só tiveram "Quem Indica", oportunismo,  herança, esperteza, maldade. Assim, ao longo do tempo muitos de nós tristemente incorporamos esses enganos e preconceitos, passamos a crer como única possível essa situação social torpe, onde quem sobe socialmente despreza e olha com asco os que ficaram embaixo, e pior: chuta-lhes a cara para que não subam, porque os lugares de cima sempre foram poucos e dificílimos de alcançar e os lugares de baixo são vis e dolorosos. Vivemos tempo demasiado nessa sociedade miserável que tinha lugares confortáveis somente para alguns e passamos a acreditar que isso é o natural e imutável da espécie humana.

Foi tempo demais em sofrermos, sonhando um dia distanciarmo-nos da dor dos chutes na cara e do desalento, tanto que nem acreditamos quando começou a acontecer, e muitos de nós ao vermos que acontecia mesmo de sairmos do fundo da lama, de tirarmos o pé do barro, achamos que enfim conquistávamos um dos privilegiados e raros lugares e, como privilegiados logicamente teríamos que defender nossa nova, confortável e rara posição com unhas e dentes, com raiva e soberba, com violência e preconceito, senão viriam e a tomariam de nós, empurrando-nos a chutes de volta para o limbo, para o estrume, para a dor e o abandono. Pior ainda: passamos a defender como direito o privilégio das posições mais altas, pois tendo conseguido subir um degrau passamos a achar factível  chegar aos outros e defensável a sua posse excludente. Tivemos assim exacerbados objetivos e sentimentos  de competição,  individualismo, corporativismo, sectarismo, egoísmo, disposição para a guerra fratricida e desprezo a todos os que até há pouco estavam conosco mais o ódio a qualquer um que se aproximasse de nós vindo de baixo.

Mas eis que aconteceu uma coisa nova. Muitos dos que estavam lá no mais baixo relevo, escondidos e socados em buracos e tocas, começaram a ser ajudados pelo governo, um pouco só de ajuda, mas constante, todo dia, todo mês, e então esses mais rasteiros e esmagados começaram a subir em bloco, em massa, aos milhões, e assim não sentiram necessidade de chutar a cara nem pisar no pescoço de ninguém, pois cresceram juntos e criaram lugar para todos. Esse pessoal começou também a amar o governante que pôs o governo a lhes prestar essa atenção e respeito. E alguns de nós, que estávamos nos lugares de altura mediana vimos mais e mais gente chegando ao nosso lado e com surpresa percebemos que o fato de eles chegarem ao lugar onde estávamos não nos derrubou, mas ao contrário, na maioria dos casos nos empurrou para cima.

Há bastante gente que não percebeu a mudança ou seu significado e age ainda como aprendeu antanho, com muito medo de perder o que conseguiu e com muita raiva, distribuindo pontapés a todos os que estão abaixo de sua posição social, pensando que assim evita que a tomem e lhe derrubem de lá. Essa gente quer matar os nordestinos, os negros, os sem-teto, os sem-terra, os pobres, os esquerdistas, os petistas, os índios da Bolívia, os iraquianos, os afegãos, os iranianos, os paraguaios, enfim, quer matar todo mundo que não seja ela mesma e que não esteja acima. Essa gente é fixada inclusive sexualmente nos de cima, sente enlevos e paixões pelas solas de sapatos que lhes são chutados na cara. Adoram ser esmurrados e cuspidos pelos de cima, pois antegozam precocemente fazer o mesmo tão logo alcancem aquela posição. Essa gente só sente que ganha quando faz alguém perder, não alcança prazer em superar-se, mas se deleita em inferiorizar a outros, e está convicta de que deve dar para os de cima para poder subir – infelizmente é imoral e só tem a pretensão de dar o que não é seu.

Essa gente acha que distinção é distanciar-se e que ódio e temor são melhores motores sociais que união e confiança. O pior mesmo é que essa gente na verdade está latente em cada um de nós. Em cada momento, em várias situações de cada dia essa gente se pronuncia, sempre que somos colocados diante da escolha, do dilema da eleição de quem presidirá a nossa ação de governo pessoal naquele momento. Escolheremos o velho preconceituoso, medroso e raivoso, criado por décadas de barbárie social, ou o novo ser que o presente nos mostra, o sentimento renovado de ser Gente sem exclusões, como sonhamos antes de aprendermos o medo e o ódio. Presidirá nossa ação a pessoa cheia de preconceitos vindos dos tristes e dolorosos tempos do eu ou eles, ou a Gente que queremos ser depois de saber o amor e perceber o quanto é melhor compartilhar grandes tesouros: o tempo, a emoção, o trabalho, o entendimento?

O que decidiremos fazer? Quem escolheremos ser? As eleições continuam a acontecer, todos os dias.

Comentários

Omar disse…
Dá uma olhada:
http://doomar.blogspot.com/2010/11/classe-operaria-esta-no-paraiso.html#links
Abraço