3 - A chegada à aldeia do amigo


“Seja universal falando de sua aldeia.”

Falar da própria aldeia é a menos difícil maneira de ser universal, pois a aldeia em que vivemos é o nosso universo fundamental. Isto serve para a literatura, para a ciência, para a política e para o jornalismo.

A aldeia é onde caminhamos, onde tocamos e somos tocados por pedaços do mundo e da humanidade, mais próxima e verdadeiramente, é o lugar em que somos amantes, conhecidos, familiares, amigos, colegas, cidadãos, é base e marco físico de nossa história, lugar de nossa água de beber, ar de respirar, lugar de perceber coexistência, praticar convivência, existir.

Pelos caminhos de ida que são também de vinda, os lugares próximos e distantes onde vivem familiares, amigos, onde eventualmente desfrutamos olhar, brevemente exercitamos caminhar, os lugares em que ao menos uma vez nos saciamos, confortamos, sofremos, lugares em que em alguma medida conhecemos e nos damos a conhecer, em que convivemos, tornam-se assim também uma extensão de nossa aldeia, de nosso universo provincial de indivíduos.

Ao tornar-me amigo do Araken Vaz Galvão, desde sempre, ou há algo entre 5 e 5.000 anos para os mais apegados às ciências exatas, Valença começou, vaga e esporadicamente, a ser anexada à minha aldeia, pois também desde sempre, ou exatamente há mais tempo, é a aldeia da qual ele costuma contar coisas universais – minha aldeia: tua aldeia.

Como eu ia dizendo no final do capítulo anterior destes meus relatos de viagem, desci na rodoviária de Conselheiro Galvão, também conhecida como Valença, às 7 da noite. Araken e Euzedir, a caminho de sua casa onde me hospedaram, mostraram com saudável orgulho um pouco dos caminhos e lugares da sua bonita aldeia. Ao chegarmos, Araken me apresentou as acomodações, um amigo escocês e outro francês devidamente engarrafados, uma torcida organizada de brasileirinhas loiras e morenas na geladeira e disse: - fica à vontade, toma um trago e um banho e desce que em meia hora tens um encontro com os sábios da aldeia.

Ao descer para a varanda de reuniões da FUNCEA, fundação cultural da qual voltarei a falar, encontrei boa parte da iminente e eminente Academia Valenciana de Letras reunida para, vejam só!, dar-me as boas vindas, e saber das boas novas. Assim conheci Mustafá Rosemberg, Alfredo Lima Neto e Carlos Magno Melo. Mustafá é um jovem médico que os colegas acadêmicos, e também médicos, Alfredo e Carlos, mais o Araken, lá chamado de Galvão, reverenciam como o mais antigo dentre eles, uma brincadeira particular da qual não alcancei o sentido. Franco, ítalo-brasileiro, capitão de 7 mares, jornalista e redator-chefe do Valença Agora, maior e melhor jornal da cidade, não pôde comparecer, de formas que a pauta dessa reunião permanecerá quase secreta por tempo indeterminado.

Depois que nós, os sábios reunidos, divertimo-nos a valer com o jogo de troca de sabedorias, lá pela uma ou duas da madrugada demos por encerrados os trabalhos e fechamos o cassino, pois no dia seguinte ao meio-dia da manhã cedo eu deveria dar uma entrevista na rádio Valença FM. Galvão e eu ainda tomamos a saideira e apresentamos o indispensável bis à platéia de estrelas antes que baixassem as cortinas e entrassem em cena os sonhos de sonhar dormindo. (Continua.)

Acompanhe os relatos anteriores desta viagem aqui: relato 1 e relato 2.

Comentários

Jens disse…
Bonita e calorosa recepção. Gostei especialmente dos amigos estrangeiros e da torcida organizada, hehehe...
Um abraço.
Anônimo disse…
Comecei por este texto. Interessante como algumas escritas nos pegam desprevenidos! Fui lendo e gostando.
Gostei especialmente da sua ironia elegante e o jeito gostoso de ir e vir dentro de cada história.
Enfim, sem outras intenções senão o puro gostar: é bom estar aqui.
Beijo