Vergonha, vergonha, vergonha... Estou me sentindo um norte-americano

Haiti, Haiti, Haiti / Tá fazendo na cozinha tá cheirando aqui.

Nós deveríamos ter feito diferente, companheiros. Diferente de tudo que já foi feito. Perdemos já talvez a grande oportunidade de dar um bom exemplo e motivar outros no mundo. Caimos na vala comum dos ianques.

Mas o que há de tão errado? Nós apenas levamos o Brasil para o Haiti, alguém poderia me dizer - e estaria certo. Levamos a polícia para a favela, reproduzimos lá o que fazemos aqui há décadas. E lá também são negros, e pobres... Quem se importa?


Mas não começamos com uma apresentação da seleção brasileira de futebol? E o povo do Haiti não nos amava? Não queriam ser todos brasileiros e jogar como Ronaldinho? O nosso futebol carnaval não era para eles uma Roliúde? Nós não éramos sua América amável e possível?

Tudo cinema? Tudo ilusão?!

Mas por favor, por amor, por bom senso e decência! Era para ser uma missão de paz! E como é que se pode chegar à paz pelo horror? E como é que se pode chegar a alguma democracia abaixo de tiro e bala? Isto dá tão certo quanto deu no Iraque! Começa a tornar-se humano, plausível o suicídio do comandante da missão (ainda que não fosse suicídio).

Um soldado brasileiro diz que era rotina haitianos irem ao acampamento brasileiro oferecer suas mulheres em troca de comida, que eles não podiam dar. Mas então não é óbvio que seria viável oferecer aos haitianos comida em troca de suas armas e munições! Seria viável, ou ainda é?

Eu sei, não sou tão ingênuo - quem tem armas já não tem fome, mas provavelmente muitos lançaram-se às armas por ter fome, por ver fome - e por mais a ``fome do quê``, que toda a gente tem. O importante aqui seria o princípio, a ser aprendido e ensinado pelo exemplo, de que o alimento que mantém a vida é mais valioso do que as dilacerantes sementes da morte.

O Brasil é o líder mundial na exportação de café, açúcar, suco de laranja, soja, carne de boi e frango, tabaco (e etanol) - líder mundial! Se não podemos separar um pouco disto para uma missão de paz onde entramos por vontade própria, então não deveríamos ter entrado.

Sei que não somos nenhuma Cuba, mas deveríamos mandar muitos médicos, hospitais inteiros, dentistas, poderíamos pedir professores ao Canadá, à França, poderíamos pedir dinheiro ao mundo para comprar comida, remédios, livros para o Haiti.
Poderíamos ou podemos?


Deveríamos montar canais de rádio e tv para que o povo pudesse se expressar e mostrar a seus conterrâneos mais irados que estava começando a acontecer algo bom por lá e que ensinassem ao povo coisas úteis para as suas emergências, seu dia-a-dia.
Deveríamos ou devemos?


Precisaríamos de técnicos agrícolas, industriais, precisaríamos de empresários que produzissem lá. É perto dos EUA, grande e rico mercado consumidor. Poderíamos estabelecer acordos industriais e comerciais importantes com o Haiti, que está às portas da corte. Precisaríamos de que os haitianos participassem e auxiliassem em todas as atividades e assim aprendessem.
Precisaríamos ou precisamos?


Uma missão de paz deveria ter por objetivo ajudar uma nação a se consolidar e crescer. Uma missão de paz das nações unidas deveria ser algo parecido com algumas nações auxiliando uma, alguns povos ajudando um povo, a recuperar-se, a erguer-se. Missão de paz não poderia ser missão de guerra.

É claro que ao receber tiros, os soldados revidam. E a fome? O que deve fazer um faminto? Como um faminto revidaria à fome? Em última instância arriscará a própria vida, para tentar salvá-la. É o óbvio. A possibilidade de paz começa quando param os tiros. Ver pratos de comida pode ser o primeiro passo para que os dedos deixem os gatilhos. Ainda há tempo, caro companheiro presidente, caros companheiros comandantes do governo, de sermos parceiros da Nação Haitiana, de erguê-la desta vala de miséria e horror. Gastamos duzentos, quatrocentos milhões para contê-los? Pois gastemos 2 bilhões para erguê-los - isto seria mais importante que uma cadeira fictícia no conselho de segurança da onu (assim, minúscula onu mesmo).

És um bom negociante, caro companheiro presidente, já o provaste fazendo nestes três anos maior caixa que nos séculos de Sarney, Collor, Itamar e FhD juntos - se nos aliares ao Haiti estaremos às portas do império e poderemos até ter lucro junto com os haitianos - mas o imprescindível, o preponderante, muito mais que o lucro e a onu, é que não percamos ainda mais os nossos fundamentos de povo e nação, mais do que já os temos perdido nas últimas décadas no Brasil e vertiginosamente nesta missão do Haiti (a crer em tudo como foi publicado na Folha de SPDB).

UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL, COMPANHEIROS?

Leia trecho do artigo da Folha de SPDB aqui, no Animot

Comentários

Jean Scharlau disse…
Comentário meu no blog do Sílvio (http://www.contoseencontros.blogspot.com/) sobre os EUA no Paraguai -
Jean Scharlau disse...
A SARCÁSTICA E REPETITIVA HISTÓRIA - sob a batuta da Inglaterra com seus interesses e poderes financeiros, Argentina, Brasil e Uruguai arrasaram o Paraguai, o país mais próspero e desenvolvido da América do Sul no século 19. Mais de 200 anos antes, no século 17 portanto (1631-1639), portugueses de São Paulo e espanhóis americanos puseram em fuga de Guairá - Paraguai, os índios guaranis que restaram de suas chacinas e capturas. Mudaram-se, após muita mortandade, mais para o sul do continente, fundando a República dos Guaranis, (hoje oeste do Rio Grande do Sul e norte da Argentina) que prosperou por mais de um século, até que os portugueses, novamente em combinação com os espanhóis os massacrassem.

Este ano completam-se 250 anos da morte de Sepé Tiaraju - prefeito de São Miguel e general guarani (falava e lia 6 línguas) que tombou enfrentando os invasores.

Sobre este tema recomendo o agradabilíssimo e revelador livro de Alcy Cheuiche
Sepé Tiaraju - Romance dos Sete Povos das Missões.

Matéria sobre a expulssão dos Guaranis do Paraguai - http://www.brasilescola.com/historiab/reducoes-guaira.htm
Jean Scharlau disse…
Luisa, sabias que a atual República Federativa do Brasil chamava-se Estados Unidos do Brasil? Portanto também já fomos estadunidenses. Eu os chamo de norte-americanos, embora os mexicanos e canadenses também o sejam, mas estes não se costuma chamar de norte-americanos. Pode-se chamá-los também de morte-americanos, não achas? Então és aqui do Portinho. Maravilha! Gosto de encontrar conterrâneas na rede - na verdade fui encontrado na rede por uma conterrânea - legal pacas! (Já usamos esta gíria no Brasil também, em algum dos séculos passados).
Abraço. Jean.
Anônimo disse…
Uma aulinha de Hélio Fernandes na Tribuna de hoje, que não tem nada a ver com o Haiti, mas é interessante =
Brasil e Estados Unidos são os dois maiores presidencialismos do mundo ocidental. Mas têm algumas diferenças superimportantes, que expõem as divergências totais. Vou mostrar algumas falhas no sistema político e eleitoral dos Estados Unidos e do Brasil, e a razão de em plena democracia(?) sermos governados por vice que emprestaram seus nomes mas não se apresentaram ao povo.

1 - Voto Distrital, que lá existe para quase tudo e que nós não temos. Deputados, (chamados de representantes), senadores estaduais (que trabalham em Washington apesar de serem eleitos nos seus distritos), procuradores, promotores, juízes, (alguns) são eleitos pelo voto distrital. Dessa maneira ficam mais ligados aos eleitores, que também conhecem aqueles que elegeram e os representam, como o nome está dizendo.

2 - Coincidência de mandatos. Nos EUA existem 50 estados, com 42 datas diferentes para a eleição. Existem mandatos de governadores de 2, 3 ou 4 anos, não podem passar daí, a Constituição federal não permite. (Um só exemplo: antes de ser presidente, Clinton foi 6 vezes governador ao Arkansas com mandato de 2 anos).

As eleições de representantes, de senadores, de juízes e promotores são em datas inteiramente diversas, as Constituições estaduais é que determinam. E ainda existem os sherifes que também são eleitos diretamente, pelo voto distrital e por 2 anos. Escapam do voto distrital, os senadores e logicamente o presidente da República.

3 - Os mandatos são muito longos no Brasil. Senador por 8 anos é um absurdo. Nos EUA são 6 anos e apenas 2 por estado. Os representantes têm mandato apenas de 2 anos, têm que estar sempre no seu distrito, porque a eleição "vem logo a seguir". E não têm direito a passagens para ir e voltar a Washington, nem reclamam que a capital é muito longe. Ficam quase que simultaneamente nos 2 lugares, onde são eleitos e onde trabalham.

Só para calar os que reclamam que Brasília e os seus estados são muito distantes. O Brasil tem 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados. Os Estados Unidos 9 milhões e 100 mil quilômetros quadrados. Não é muito, mas às vezes de um estado para a capital, levam 8 horas de viagem. Ou mais.
Santa disse…
Jean, seu artigo pode ser enviado diretamente para o Planalto/Lula, com cópia ao Ministro de Assuntos de Exterior (é esse o nome do cargo daquele inútil útil ?)Pra reforçar manda tb para o presidente da ONU (aquela instituição que promove a PAZ e que só existe ainda, porque nada faz). Parabéns pelo artigo!! Se o governo tivesse o mínimo de coerência governamental e não essa escola de samba de quinta, o País estaria em outro rumo. Concordo com o comentário da Luisa: acabe com essa luta quixotesca contra "estadunidenses". Verifique quais são os maiores negócios comerciais (internacionais) do Evo e do Chàvez, só pra começar...

Beijos no coração!!!
Jean Scharlau disse…
Porque, Santa? Dom Quixote é tão interessante e fundamental...
Cé S. disse…
Eu acho que você tocou em um ponto importante: Nós poderíamos ter feito Missão de Paz segundo nossa concepção de Missão de Paz. Nessa concepção está incluído levar máquinas para abrir ruas, idéia do Gabeira, que esteve no Haiti (ver os relatos em http://www.gabeira.com.br/). Levar serviço funerário, para que os cadáveres não fiquem apodrecendo na rua. Coisas simples, pois a Paz é feita dessas coisas simples.

Você tem razão, caímos na tosquice da visão doentia de Paz dos ianques. Paz não é matar, e envolve, antes de tudo, cuidar.
Toque das ruas disse…
Gostei muito do seu artigo. Não conhecia seu talento na escrita além de uma visão além da coloração. Estou sentada para não cair:))