A roda viva das manchetes, o espetáculo jornalístico

(show news, para os apreciadores de anglofagia cultural)

Quem tentar entender o que vai pelo mundo só pelo que publicam em rádio, tv e jornal, rodará e se estatelará na lustrosa e ofuscante superfície (“iridescente” e veloz) do espetáculo jornalístico, que está sempre empenhado na luta pelo poder, em geral a qualquer preço, onde a verdade é das primeiras sacrificadas em pagamento, na maioria das vezes como sinal do negócio.

Assim como os outros poderes – o judiciário, o financeiro, o legislativo, o religioso, o executivo, o industrial, o sindical, o militar, o educacional – o poder midiático também, para manter-se precisa de seguidores, de obreiros, de crentes, de corporativistas, de aduladores e beneficiários, de massa de obra e manobra, enfim.

O político, candidato ou eleito, falando em comício ou tv, o oficial diante da tropa, o gerente no banco, o engenheiro no chão de fábrica ou canteiro de obras, o juiz à sua mesa, o sindicalista nas assembléias, o diretor em sua escola, o pastor no púlpito, o apresentador, autor, editor, nos programas, notícias, artigos de rádio, tv e jornal, fazem todos rigorosamente uma mesma coisa : defendem sua própria parcela de poder e o de sua corporação e sujeitam-se exclusivamente aos ditames éticos próprios e aos defendidos e praticados, pública ou veladamente, pela corporação.
Entre as corporações, poderes organizados de uma nação, vigora um acordo de “cavalheiros”. Por esse acordo uma corporação não se intrometerá na administração, na gerência, nos códigos, nos ritos, nos processos, na autonomia de outras corporações, salvo no que previamente estabelecido de comum acordo entre eles, os “cavalheiros” das respectivas corporações. (A propósito, no Jornal do Brasil um ótimo artigo de Fausto Wolff, profissional que é exceção e aponta a regra nesses poderes.)

As corporações organizam-se, pois, segundo os ditames dos seus membros mais poderosos, os “cavalheiros” que melhor dispõem dos fatores que combinados são fontes de poder - dinheiro, empatia com as pessoas, inteligência prática, simpatia, beleza, facilidade de expressão. Outras qualificações e valores humanos menos explícitos e mais importantes, mesmo que entrem na conta, podem ser representados ou forjados e são por isto de difícil avaliação.

Felizmente difícil não é impossível. As pessoas podem ser conhecidas pelo histórico de seus atos e resultados efetivos destes, com margem de erro muito menor do que por seu desempenho verbal imagético gestual. Infelizmente, em contrapartida, através do cinema, do rádio e principalmente da televisão, os po-dre-res adestraram suas massas de manobra a fixarem-se (estatelados e agarrados) na superfície do conhecimento da máquina motora do mundo e das pessoas que a comandam, superfície que, para tal, é apresentada extremamente dinâmica, fragmentada, luminosa, atraente e escorregadia, para que não se queira penetrá-la e não se enxergue o que a move lá por dentro.

Estabelecidas estas premissas, é de se concluir que analisar exclusivamente a fala, as declarações, o desempenho de qualquer agente, qualquer “cavalheiro”, diante de seu público alvo é pouco útil e potencialmente prejudicial para esse público e pode facilmente induzir a erro de avaliação dos riscos e benefícios. O público alvo ao valorizar prioritariamente tais informações de superfície comporta-se como galinhas que escolhessem seu representante e protetor entre o galo e a raposa em face do maior brilho das penas ou do pêlo, da maior suavidade e graça na expressão, na maior beleza e agilidade nos movimentos, enfim, comporta-se como a vítima pronta a desempenhar sua função no crime.

Acho mais produtivo e compensador o trabalho de analisar 100 atos e 200 fatos do que o de analisar um discurso. Entretanto, veja que coisa, é através da atenção aos discursos (no sentido mais amplo e desde a infância) que construímos e melhoramos nossa capacidade de compreender e avaliar a relação dos atos e fatos entre si, seus produtores e nós mesmos.

Quanto à entrevista de meu companheiro de partido e uma vez, há muito tempo, também de classe, Lula, o “cavalheiro” sindical, depois legislativo e agora executivo, o que saltou à minha vista foi um paradoxo: se o poder midiático, para alimentar e valorizar seu próprio espetáculo, queria tanto entrevistas com Lula, o funcionário público nº 1, já desde o início de seu mandato, se a necessidade de exposição midiática é inerente à unção dos “cavalheiros” pelo voto popular, necessidade esta que no caso de Lula é uma paixão, por quê ele privou-se dela durante tanto tempo? Por quê, podendo ter o país inteiro a ouvi-lo, e querendo ouvi-lo, escolheu o discurso de comício, para punhados de ouvintes?

Desculpem-me os aficionados por análises de discursos, terminei mesmo por me ater principalmente a atos e fatos. Como a noite vai alta e o artigo vai longo, sigamos com o tema num próximo.

Jean Scharlau

Comentários

Maria Oliveira disse…
Oi Jean, gosto quando escreve, vou ler com a calma dos deuses:)))Um abraço
Leão Nazareno disse…
Viva Caboclo!!!! Estava meio desaparecido. Voltou em grande estilo!!!
Anônimo disse…
Concordo plenamente. Gostei muito do seu artigo. Parabéns!

luciamferreira@bol.com.br
Santa disse…
Jean, você escreve muito bem e deveria exercer mais esse talento. Embora não concorde com algumas posições do texto, o que nada diminui o fazer crítico.

parabéns!
Clê disse…
Acho que a imprensa pegou o viez do jornalismo investigativo e a crise está favorecendo comercialmente as empresas jornalísticas.É a faca e o queijo.
SV disse…
Em qualquer lugar do mundo, o que faz a mídia é o inusitado.

Até há pouco tempo, meter pau no Lula e no PT era inusitado. Infelizmente isso está virando fato corriqueiro e já não dá mídia.

Digo infelizmente porque há 25 anos acredito no sonho. Já esperava todo tipo de armação para evitar que Lula fosse reeleito. O que eu não esperava era o silêncio de uma pessoa como ele, com o dom que tem da oratória.

Por mais diplomático que sempre tenha sido, não esperava que ele agisse de forma tão silenciosa, como uma criança que fez "arte".