A MANADA SUICIDA
Começa o filme.
Somos a platéia.
Notamos que estamos nos transformando! Percebemos estarrecidos e paralisados o que preparam para nós. Na verdade já estamos praticamente prontos. É o horror, o horror! Estamos sendo levados ao matadouro!
Para levar-nos ao matadouro, o mais eficaz era nos transformar em manada – já o fizeram, e tão, tão facilmente... É sabido que uma manada quando estoura o faz em bloco, desembestada – basta dar-lhe o rumo e toda ela joga-se nele enlouquecida – não é necessário luta ou força, apenas astúcia, armadilha. Urros, brados, estrondos em determinados lugares e momentos, alguns insidiosos entre os ingênuos formadores de “opinião”... E pronto!
Para melhor nos enganar, nossos carrascos atribuem-se suavidades, nome e plumas de passarinho. Mas são leões, hienas, chacais. Passarinhos não há. Há bonecos de águias ventríloquas. O novo festival de rapina está sendo preparado, com muito ardil e jeitinho. Estamos quase prontos a estourar em direção ao precipício.
Ouvem-se urros na estepe, justo na direção do caminho por onde vamos, e pássaros cantores incitam-nos ao retorno, que voltemos por onde viemos. Alguns de nós até já cantarolam esse canto agourento.
Mas, amigos, nestes derradeiros momentos lembremo-nos das feras, do deserto, das armadilhas no caminho das pedras, por onde sofrida e milagrosamente conseguimos chegar até aqui.
- Quando as feras dilaceraram 30% da Petrobras, onde estavam os probos Aturo Virilhas? Onde os avaros Dias?
- Quando as serpentes, as hienas, os chacais engoliram a Companhia Vale do Rio Doce, onde estavam os virtuosos Ah Esses Never, os eméritos Generau, Doau, Quimin?
- Quando as águias, os tigres, os dragões devoraram nossas Companhias Telefônicas, onde estavam os venereáveis Borguináuseas, os grandes Mergdalhães?
- Quando as piranhas, os crocodilos, as surucucus engoliram nossas Distribuidoras de Energia, onde estavam os atentos Aparricídios, os diligentes Serraelétricas?
- Quando nessas e em dezenas de outras vezes a carnificina era regada a molho pardo e BNDES, onde estavam os íntegros, os vigilantes, os nossos defensores emplumados e gritões?
- Quando tantas vidas dos nossos foram tomadas por banqueiros que rugiam PROERRR, onde é que estavam os bicudos esvoaçantes e grasnadores, que não aceitam falcatruas?
- Eles estavam onde queriam, meus amigos, eles estavam comendo junto, eles estavam com as feras. Eles SÃO feras.
- Quando as feras dilaceravam e engoliam, meus amigos, onde estava a imprensa? Onde estavam as diárias manchetes esbravejantes? Onde os alertas sobre o horror e a iniqüidade? Onde estavam as tevês e seus âncoras, férreos em indignação?
- Onde estava a Câmara com suas excelências? Onde as CPI-libadas? Onde o Senado Fernandal e suas câmeras tribunais?
Eles estavam todos no festim, meus amigos, eles estavam lá, onde os nossos pereceram. Eles estavam lá e saíram saciados, com nosso sangue em suas caras, arrotando, com lacrimejantes gargalhadas e regurgitantes.
Agora estão novamente com fome. Coisa óbvia que, enfeitiçados por sua conversa, não percebemos. Estão cada vez mais próximos. Estão a cada momento com mais fome, com aquela sua dissoluta e constante compulsão por devorar.
Ardilosamente tramam o novo festim. E nos preparam para correr ao seu encontro, embrulhados em revistas e jornais. Preparam-nos para saciá-los.
Moral da história:
Ouvem-se urros indignados na pradaria, urros que acusam o touro líder, Lubabá, de desviar parte do leite das vacas da manada para repassar aos touros novos que, em troca do leite, o seguem com suas tropilhas.
Os que urram querem que os touros novos e suas tropilhas se rebelem e os sigam em outra direção. Os que urram não roubam leite, esses são os que matam as vacas, touros e bezerros.
História imoral:
Quando elegemos os leões emplumados para tomar conta do nosso rebanho, em janeiro de 1995, tínhamos centenas de empresas e devíamos 88 bilhões de reais. Quando conseguimos tirar os leões emplumados de cima do nosso rebanho, em janeiro de 2003, sobrara-nos meia dúzia de empresas e devíamos 1 trilhão e 104 bilhões de reais.
Curiosidades naturais e sobrenaturais:
Jamais se percebeu ou perceberá na bocarra dos leões emplumados, nos seus olhos penetrantes, nas suas faces tranqüilas e soberanas, qualquer esgar, qualquer ricto, qualquer sombra ou sinal de culpa, remorso, arrependimento, compaixão, pois matar, estraçalhar, devorar e deixar os restos à rapinagem lhes é intrínseco, é de sua natureza. O horror de suas vítimas lhes é completamente indiferente – sequer o notam.
O estranho, o bizarro, é a preocupação, a determinação das vítimas em satisfazer a seus algozes, em flagrante contrariedade ao instinto de auto preservação que lhes deveria ser natural.
Nós, os heróis, conseguiremos quebrar o maldito encantamento do hipnótico olhar, da conversa afiada dos predadores?
© Carlo Buzzatti
Começa o filme.
Somos a platéia.
Notamos que estamos nos transformando! Percebemos estarrecidos e paralisados o que preparam para nós. Na verdade já estamos praticamente prontos. É o horror, o horror! Estamos sendo levados ao matadouro!
Para levar-nos ao matadouro, o mais eficaz era nos transformar em manada – já o fizeram, e tão, tão facilmente... É sabido que uma manada quando estoura o faz em bloco, desembestada – basta dar-lhe o rumo e toda ela joga-se nele enlouquecida – não é necessário luta ou força, apenas astúcia, armadilha. Urros, brados, estrondos em determinados lugares e momentos, alguns insidiosos entre os ingênuos formadores de “opinião”... E pronto!
Para melhor nos enganar, nossos carrascos atribuem-se suavidades, nome e plumas de passarinho. Mas são leões, hienas, chacais. Passarinhos não há. Há bonecos de águias ventríloquas. O novo festival de rapina está sendo preparado, com muito ardil e jeitinho. Estamos quase prontos a estourar em direção ao precipício.
Ouvem-se urros na estepe, justo na direção do caminho por onde vamos, e pássaros cantores incitam-nos ao retorno, que voltemos por onde viemos. Alguns de nós até já cantarolam esse canto agourento.
Mas, amigos, nestes derradeiros momentos lembremo-nos das feras, do deserto, das armadilhas no caminho das pedras, por onde sofrida e milagrosamente conseguimos chegar até aqui.
- Quando as feras dilaceraram 30% da Petrobras, onde estavam os probos Aturo Virilhas? Onde os avaros Dias?
- Quando as serpentes, as hienas, os chacais engoliram a Companhia Vale do Rio Doce, onde estavam os virtuosos Ah Esses Never, os eméritos Generau, Doau, Quimin?
- Quando as águias, os tigres, os dragões devoraram nossas Companhias Telefônicas, onde estavam os venereáveis Borguináuseas, os grandes Mergdalhães?
- Quando as piranhas, os crocodilos, as surucucus engoliram nossas Distribuidoras de Energia, onde estavam os atentos Aparricídios, os diligentes Serraelétricas?
- Quando nessas e em dezenas de outras vezes a carnificina era regada a molho pardo e BNDES, onde estavam os íntegros, os vigilantes, os nossos defensores emplumados e gritões?
- Quando tantas vidas dos nossos foram tomadas por banqueiros que rugiam PROERRR, onde é que estavam os bicudos esvoaçantes e grasnadores, que não aceitam falcatruas?
- Eles estavam onde queriam, meus amigos, eles estavam comendo junto, eles estavam com as feras. Eles SÃO feras.
- Quando as feras dilaceravam e engoliam, meus amigos, onde estava a imprensa? Onde estavam as diárias manchetes esbravejantes? Onde os alertas sobre o horror e a iniqüidade? Onde estavam as tevês e seus âncoras, férreos em indignação?
- Onde estava a Câmara com suas excelências? Onde as CPI-libadas? Onde o Senado Fernandal e suas câmeras tribunais?
Eles estavam todos no festim, meus amigos, eles estavam lá, onde os nossos pereceram. Eles estavam lá e saíram saciados, com nosso sangue em suas caras, arrotando, com lacrimejantes gargalhadas e regurgitantes.
Agora estão novamente com fome. Coisa óbvia que, enfeitiçados por sua conversa, não percebemos. Estão cada vez mais próximos. Estão a cada momento com mais fome, com aquela sua dissoluta e constante compulsão por devorar.
Ardilosamente tramam o novo festim. E nos preparam para correr ao seu encontro, embrulhados em revistas e jornais. Preparam-nos para saciá-los.
Moral da história:
Ouvem-se urros indignados na pradaria, urros que acusam o touro líder, Lubabá, de desviar parte do leite das vacas da manada para repassar aos touros novos que, em troca do leite, o seguem com suas tropilhas.
Os que urram querem que os touros novos e suas tropilhas se rebelem e os sigam em outra direção. Os que urram não roubam leite, esses são os que matam as vacas, touros e bezerros.
História imoral:
Quando elegemos os leões emplumados para tomar conta do nosso rebanho, em janeiro de 1995, tínhamos centenas de empresas e devíamos 88 bilhões de reais. Quando conseguimos tirar os leões emplumados de cima do nosso rebanho, em janeiro de 2003, sobrara-nos meia dúzia de empresas e devíamos 1 trilhão e 104 bilhões de reais.
Curiosidades naturais e sobrenaturais:
Jamais se percebeu ou perceberá na bocarra dos leões emplumados, nos seus olhos penetrantes, nas suas faces tranqüilas e soberanas, qualquer esgar, qualquer ricto, qualquer sombra ou sinal de culpa, remorso, arrependimento, compaixão, pois matar, estraçalhar, devorar e deixar os restos à rapinagem lhes é intrínseco, é de sua natureza. O horror de suas vítimas lhes é completamente indiferente – sequer o notam.
O estranho, o bizarro, é a preocupação, a determinação das vítimas em satisfazer a seus algozes, em flagrante contrariedade ao instinto de auto preservação que lhes deveria ser natural.
Nós, os heróis, conseguiremos quebrar o maldito encantamento do hipnótico olhar, da conversa afiada dos predadores?
© Carlo Buzzatti
Comentários
É sabido por todos e pouco comentado que todo o esquema de caixa 2 já existia antes e provavelmente sempre existiu não só na política mas em todas as esferas.
Pois o ardil foi guardado para ser jogado na mídia no tempo determinado, como uma flor fedorenta que tem seu tempo para germinar e contaminar na hora que se quer.
Quanto ao que o texto se refere cosidero uma pena que exemplos tão sórditos(cx2, tráfico de influências,manipulação da máquina pública, compra de votos, entre tantos outros...)servem hoje de prática corrente e sistêmica no atual governo. O fato dos governistas, endossados pelas palavras de Presidente, considerarem que crimes de corrupção, sempre existiram, entretanto não se configuram "crime contra a Nação", apenas "erros", passíveis de correções leves e dependendo do valor ($)se pequeno(?)são merecedores até de perdão, de alguma forma dilui a tese histórica. Pessoalmente, lamento pois preferia continuar acreditando no único partido brasileiro que considerava legítimo e ético.
Um abraço.
Odilene do Lata Mágica.
Já estava com saudades!
Bjs