Raso mergulho nas profundezas do Brasil

Há em todos os lugares pessoas sujeitas às mesmas misérias e passíveis das mesmas glórias. Ninguém se curva mais ao peso da dor ou se excita mais com o perfume da bela ventura por viver aqui ou lá adiante. Mas há em cada lugar e seu respectivo agrupamento de habitantes, peculiaridades que diluem, contrapesam, ou extrapolam os martírios e os gozos.

Miséria há em todas as cidades deste rico Brasil e isto é tão exato quanto há estupenda riqueza sob nosso enfumaçado e poluído céu de anil, já meio para o bombril em muitos lugares. Mas a pobreza dói muito mais quando obrigada a se comparar com a riqueza - ser pobre entre pobres dói muito menos que ser pobre entre ricos, e isto é tão certo quanto que os ricos não gostam de ter pobres por perto, que não estejam a seus serviços.

Quantas vezes já nos perguntamos como é que justamente nos estados mais pobres do Brasil o povo consegue tanta alegria e faz mais festas e folias que o pessoal dos lugares mais ricos?
Compensação? Alegram-se mais para pagar suas tristezas maiores?
Clima? Muito sol, luz e vitamina D?
Cultura? A tradicional espontaneidade negra e índia, mais despreocupada?
Talvez. E também, o que eu disse no início, o fato de os pobres estarem lá em grande maioria, o que os faz aceitar melhor essa sua condição e a muitos faz ver a pobreza como uma característica sine qua non da existência humana, onde o que não tem solução resolvido está.

Esta foi a questão à qual prestei maior atenção, sem nenhuma tensão, na viagem que tive a oportunidade de fazer em junho deste ano ao Nordeste - a João Pessoa e Jacumã, na Paraíba, e dali de carro até Maceió, nas Alagoas, onde após muitos anos consegui visitar meu irmão Gensel, minha cunhada Ana e seu filho Pedro. Também agora no início de outubro, em uma ida a Comandatuba e Ilhéus, a serviço, mais algumas pequenas cidades baianas por onde passei de ônibus pinga-pinga a caminho de Valença - uma das cidades mais antigas do Brasil, onde visitei meu amigo Araken Vaz Galvão e sua mulher Euzedir - e uma tarde e uma noite em Salvador, cidades onde, graças ao convite e hospitalidade do amigo, pude espichar minha viagem de trabalho em uma semana extra, de férias oportunistas.

Cada lugar, cada dia de viagem, cada uma das pessoas que reencontrei e que conheci mereceriam de minha parte uma crônica, um conto, uma poesia. Mas quem diz que minha memória e (confesso) minha preguiça permitiriam? Estou devendo ainda a dois leitores curiosos alguma narrativa sobre minha primeira viagem de avião, que aconteceu em abril deste ano de Porto Alegre a São Paulo. Devo ainda a três ou quatro leitores, que a esta altura já desistiram desses créditos, histórias da viagem de junho ao Nordeste. Há ainda muito a contar de minha ida à Feira do Livro de Brasília no início de setembro e, lembrei agora, alguma coisa a dizer de uma rápida viagem a serviço, que fiz até Curitiba. Mas, pergunto-me, será mesmo que há ainda alguém interessado nessas narrativas?

Desde que não fiquem extremamente umbilicais, creio que é possível. Ah, mas que trabalheira dá não ser umbilical demais!

Por esse possível interesse de um leitor aqui, uma leitora ali, e para meu próprio prazer de reviver essas passeadas por lá, darei serviço aos neurônios e trabalho aos catadores, digo, recicladores de letras no teclado. A cumprir o preceito cristão de que os últimos serão os primeiros, regra que também se aplica à eficácia da memória, vou contar primeiro os sucessos e dramas de minha mais recente viagem, à Bahia, mesmo porque é mais provável que lá ainda haja quem espere e acredite que eu escreva alguma coisa sobre a visita, conforme levianamente lhes prometi. Assim me corrijo um pouco e também respeito e reconheço a eficácia dessas duas virtudes: a esperança e a fé, tão proclamadas na Bahia, de todos os santos, em tantos e tantos templos, capelas, catedrais.

E já que estamos neste embalo, que tal fazermos um feixe de virtudes, ao qual caberia ainda a vós leitores acrescentar paciência e alguma caridade para comigo, que aproveito para lhes pedir que aguardem a próxima publicação, amanhã ou depois, onde darei seqüência a este relato.

Comentários

Jens disse…
OI Jean.
Bem-vindo à casa. Estamos aí, com os olhos curiosos acompanhanto tudo.
Um abraço.
José Elesbán disse…
Eu acredito inclusive que seja para estas coisas que os blogs (também) existem.
[]