Teorias absurdas? De onde vêm os bebês meninas?

(Em pequenos parágrafos de grandes efeitos.)
Minha mulher costuma dizer que homem mulherengo só tem filhas e que se o homem só tem filhas é porque é mulherengo. O intrínseco desta bem humorada teoria seria uma intenção cármica do cosmos de punir ensinando (ou seja, num parabólico exemplo: como prêmio por meia vida jogando bem no Grêmio, o distinto goleador receberia a incumbência de treinar o Inter).
Na época em que ela me dizia isto eu já tinha três filhas, de um casamento anterior, e ela achava que eu era mulherengo. Hoje eu tenho quatro filhas, a quarta com ela. Como não tenho tido aventuras extra-curriculares, ela acha que eu estou conseguindo ou me controlar, ou evoluir, o que seria o benefício adquirido com a reincidente descendência feminina.
Em outra fonte, acho que alguma revista do tipo playboy ou superinteressante, eu bebi que os homens paus d'água seriam mais propensos a fabricar canoas, pois o álcool emborcado por esses dedicados remadores, enxugadores de garrafas, seria absorvido preferencialmente pelo cromossomo Y, o homenzinho da casa, que deixaria de cumprir suas funções por ficar de porre. Enquanto isso sua irmãzinha X, cdf e bebedora de guaraná, iria lá e faria o tema numa boa.
Há uma teoria anterior e mais sisuda que estas duas, de que meninas sempre foram produzidas em maior número do que meninos para garantir a preservação da espécie (pois enquanto uma mulher gesta um filho, um homem poderia, em condições favoráveis, gerar centenas). De lambuja isto colaboraria para que os carecas baixinhos barrigudos vesgos idiotas loucos tivessem mais chances com alguma mulher e desistissem de tentar destruir o mundo ou pelo menos seus irmãos menos infortunatos.
Bom, eu não posso ver uma teoria se exibindo, por mais magricela e esquisita que ela seja, sem passar o meu dedo sensível mas crítico para ver mais de perto qual é o pó. Então encarei esta trinca. Como elas são totalmente empíricas e imaginativas, me despi quase que totalmente da metodologia científica, resguardando-me só em uma minúscula sunga observatória. Coloquei meu desodorante Palpite Quente e caí na balada.
Descobri nessas exibidas trejeitosas alguns fingimentos e mentiras e pude identificar nelas o que concluí que são seus verdadeiros eus. Seus verdadeiros elas, para ser mais exato. Segundo o mesmo princípio pelo qual a imensa gama de criaturas humanas do sexo feminino que habita este planeta pode ser designada abrangente e simplesmente pela expressão conceitual 'a mulher', creio que posso afirmar que cheguei ao âmago das percepções e conhecimentos sobre o tema "de onde vêm os bebês meninas" e posso lançar 'a teoria' a respeito da fonte das pimpolhas, das pipoquinhas, das amorecas, das bijuzinhas, das pitucas do papai.
A teoria de que sempre foram produzidas mais meninas que meninos, a que dá uma luz para os Danny de Vitos, Bushes, Hitleres (embora só os Dannys tenham conseguido aproveitar-se dela), fundamenta-se no princípio de que 'a mulher', que é a conseqüência natural d'a menina' (Mas Bá! Isto quer dizer que logo eu serei o pai de quatro mulheres!) é a responsável maior pela preservação e crescimento da espécie. Assim, haveria uma pré-determinação da espécie em produzir mais meninas.
Reconheço esta teoria como verdadeira mas enganadora, porque parcial. Creio que haja flexibilidade nas percepções e conseqüentes ações da espécie como um todo, a partir das percepções e ações de seus indivíduos e grupos somadas e combinadas por todas as vias de comunicação, inclusive as telepáticas, as simpáticas e as pára, simpáticas é uma coisa, mas isto já é galinhagem. Assim, na maior parte das épocas, foi necessário mesmo que a espécie produzisse mais mulheres.
Houve épocas entretanto em que se fez necessária a maior produção de meninos na espécie e, creio, isto também foi feito. A espécie, apesar dos programas de televisão que dão sólidos testemunhos em contrário, é sábia, principalmente no quesito reprodução.
Deixem-me contar-lhes um fatinho singelo mas significativo: ia eu imbuido em pensamentos vários inspirados em preocupações múltiplas, andando de carro com minha mulher e minha caçula pela capital ao meio-dia. Na bólida trajetória, em meio a bólidos outros, todos engarrafados, descubro o motivo do demorado envasamento: era horário de saída das escolas. Passamos lentamente por três ou quatro delas, enquanto a paternália emboliada recolhia parte da petizada que espraiava-se fagueira pelas calçadas. A proporção entre os petizes era de duas meninas para cada menino.
Não tomem, cuidado, esta observação assim ao pé-de-vento para fazer ilações. Este fato só significa que as escolas por onde passamos são escolas particulares, administradas por tendências religiosas católicas - o colégio d'As Dores, o Sevigné, o Rosário, o Dom Bosco. Sabidamente esses educativos estabelecimentos são os preferidos pelos pais para as suas piquitinhas, porque resguardam mais as alunas da dura realidade social à qual a maioria - meninos de classe média e pobres em geral - é submetida nas escolas públicas.
Só registro aqui esta diminuta observação do amplo espectro, porque este conciso fato foi o que me deu aquele estalo entre o dedo médio e o polegar (o pai-de-todos e o mata-piolho) que detonou a compreensão da bombástica essência da verdade. Menos prolegômenos e mais megalômanos - vamos 'à teoria'.
Conforme escrevi há uns dois ou três parágrafos, a espécie ora anda pra cá, para os meninos, ora anda pra lá, para as meninas, sempre em direção ao que entende como avanço em crescer e multiplicar-se. A minha teoria principiou a cristalizar-se basicamente quanto ao quando, como e porque a espécie vai para lá, para as meninas. Claro que compreendido um movimento é mais fácil e até necessário deduzir-se o seguinte e o anterior, o que me permitiu enfim elaborar 'a grande teoria' sobre a total amplitude dos movimentos reprodutivos da espécie.
Devido à imensidão desta abrangência não trataremos dela toda neste artigo, que já se estende, se espicha e quase se espreguiça. Fiquemos no nosso mote original: de onde vêm os bebês meninas? Tãã-rãããn! - Vêm através do sexo, claro.
E qual o mais importante, significativo e eficiente órgão sexual? - O cérebro, claríssimo!
(Nestes momentos sempre me dá aquela tentação suicida de fazer uma piadinha chauvinista, à qual resisto lembrando das minhas fofuricas, inclusive pensando em quando vierem a ler o que escrevo, daqui a dez ou vinte anos - viu como tem algum fundamento também aquele primeiro parágrafo?)
Para apresentar então a definição da causa da opção sexual variável da espécie (ora por meninos, ora por meninas) entro de cabeça (sem trocadalhos): a precisão da escolha é diretamente proporcional à sensibilidade dos indivíduos envolvidos nas ações reprodutivas. Assim, homens mais sensíveis às questões contemporâneas pertinentes à espécie identificam mais claramente suas necessidades e passam mensagens mais específicas e intensas aos seus cromossomas, instigando os modelos X ou Y (abster-me-ei aqui de comentar o modelo Z) a irem em frente, por serem mais necessários.
Eis aí a essência teórica. Talvez as mulheres criem mais resistências ao modelito que considerem inapropriado, mas eu teria que aprofundar minhas pesquisas para erigir um conceito auto sustentável e fragoroso, frente aos motivos femininos.
Hoje, petrificados sob a ameaça de extinção he-cacaca-tômbica, que desde a guerra fria pende sobre o ventilador (e que fez pessoas extremamente sensíveis darem à luz algumas baratas. Um exemplo extremo: Franz K. - um visionário, um homem tão, mas tão sensível que, prevendo tudo isto, baratinou-se a si mesmo); nestes tempos em que rastejamos sob a ameaça da extinção ecofitosanitária do planeta levado ao extremo da podridão, nestes tempos em que febrilmente congelamos sob a ameaça da neo liberal era glacial no hemisfério norte e do new Dante's hell no hemisfério sul e, finalmente, em todos os lugares da lista, nestes tempos em que nos apavoramos feito neo mutantes na frente do espelho ao sentirmo-nos sob o nenéo nazismo cesariano norte-americano; nestes tempos impossíveis, meus amigos, nada mais natural que o homem sensível às mazelas e necessidades de sua espécie conclua que deva gerar fêmeas, fêmeas a encher braços, olhos, mundos. Não só porque nós, homens, é que somos os culpados por esta cacaca tômbica, mas porque o troço vai estourar.
Apesar disto e por isto mesmo, nas cabecinhas e nas barriguinhas delas, as nossas filhas, dorme como um anjo a nossa esperança. A nossa espécie biológica de esperança - a esperança de continuar espécie.
Assim vê-se as verdades desnudas das três magricelas teorias que desfilaram na passarela. É certo que, em tempos como estes, o homem que bebe tem mais provavelmente filhas, pois não é a sua maior sensibilidade que o faz agarrar-se a essa anestésica e utopista botija? É óbvio que também o mulherengo terá, nestes tempos, preferencialmente filhas, pois é um sensível, notadamente às preferências das mulheres - e a espécie, além de humana, não é mulher?
Enfim é evidente, respeitável público notório, que nós, os sensíveis, embora sejamos em menor número e destinatários de solicitações várias, estaremos sempre dispostos a atender preferencialmente aos chamados da espécie e nos colocamos, para isto, em prontidão permanente, com denodo, disposição e coragem...

Ó! Escutem! Agora mesmo a espécie nos chama.
À luta, companheiros!

Jean Scharlau, com o imprescindível auxílio estilístico de Carlo Buzzatti.


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