Pesque Pague na Rua da Praia

Miscabela foi à Feira, do Livro, de Porto Alegre, e lá encontrou comigo. Hoje foi o primeiro dia da Feira, começada extra-excepcionalmente dois dias antes do usual. Extra super excepcionalmente estava vazia às oito e meia da noite e podia-se parar sozinho nos balaios de saldos até revirá-los todos. E todo mundo inteiro sabe que o primeiro dia é o melhor para a pesca do balaio – os peixes graúdos ainda estão todos lá. Tu vais com um dinheirinho de nada, um troquinho pra cerveja, e o bichão, ansioso e faminto, de certo por passar o ano espremido numa estante, praticamente pula no teu colo e pronto! Lá vais com o peixão embaixo do braço. Ou então, como aconteceu comigo – credite se quiser – sai com uma cesta carregada deles. Pesquei onze. Certo também é que gastei co’as iscas um engradado de ceva – 55 pila – mas me vim com onze lustrosos se batendo pra casa. Queres saber uque-qui-uquê? Depois, antes da fritada, eu conto.

Gente que passa toda a Feira só caminhando, olhando e rebolando em frente às bancas, na Alfândega, sem nunca pescar nada que não tenha pernas, hoje estava até saltando e dançando, tão grande era a folga e ausência de amontoamento.
Nove da noite, na Feira, bate o sino, pequenino, e os feirantes recolhem a balaiada, fecham as barracas e a contabilidade e vão-se pra casa com a féria do dia – é finda a festa, chega de pescaria! – Amanhã tem mais, e será só o segundo dia! Êita, alegria!

Na saída, assobiando, a cesta carregada, as barracas já fechadas, duas ou três turminhas de barraqueiros batendo papo, vou eu saltitando e batendo as solas dos pés uma na outra, quando de repente passo por quem? Quem? Um dos maiores criadores de peixões do Brasil – Luis Fernando Verissimo, o próprio, acompanhado de sua mulher, filha e filho, suponho (ou seria o Boca?), todos vestidos para casamento e uma das mulheres carregava uma flor – de certo haviam comparecido a homenagens ao maior criador de peixes do Rio Grande, Erico Verissimo. Imediatamente soprou uma brisa de Feira antiga, mais antiga do que eu, e isto é bom (até me pareceu que se mexeram as estátuas do Quintana e do Drummond – e isto já não é tão bom). Alguém mais antigo e sábio que nós por perto nos faz bem – sentimos que não estamos sós no entardecer ou já pela hora da morte e que há um caminho a seguir. E há ainda caminho a inventar.

Por falar em caminho, naquele momento em que nos caminhos cruzados passei pelos Verissimo, pensei em seguir os passos do Luis Fernando, afinal ele é escritor e eu sou esperança e pretensão, por que não? Quase dei meia volta no rumo daquele grupo embecado, mas aí rapidamente me dei conta: segui-lo, só a uma certa distância do grupo, para não despertar suspeitas, e à noite, como identificar quais exatamente teriam sido os passos do Verissimo? Vai que eu erre e siga os passos do Boca, da Lúcia, da sua filha. Não, não, não! A minha carreira literária e a minha vida iriam ficar muito confusas. Deixei-os ir, com seus familiares segredos, em direção ao estacionamento.

Pois é... Mas a pescaria, o encontro com os Verissimo (discretíssimo, discretíssimo, tanto que eles não notaram), a noite fresca e o rápido esforço de raciocínio rápido me deram uma bruta fome de cultura e entretenimento e então eu lembrei de novo da minha cestinha cheia de manjares, lembrei dos leitores amigos e das queridas leitoras do meu blog, lembrei da cervejinha na Frigidaire e vim-me, a galope no más, mas não sem notar antes, de passada, que os butecos estavam todos cheios de uma bagualada emudecida, todos sentados do mesmo lado das mesas, todos de olho na tv da parede – pronto! É isto! Tinha jogo! Por ISTO todo aquele conforto e sossego na Feira!

Comentários

Santa disse…
Me nego acreditar. Ou será mais uma lenda - feira de POA é a melhor do mundo... Ou ainda, não seria mais um conto do Scharlau?
Clê disse…
Jean, nem me fale...Também sou rato de feira. Pena que do nordeste para os pampas, bote léguas. Perdi a feira internacional de Passo Fundo...Desenvolvo um trabalho de formação de leitores, nesse País que 1/2 tem acesso a livros.
Feiras, festivais, mostras, são encontros de prazer e conhecimento. E da forma como o senhor conta, até se tornam engraçados:))
Anônimo disse…
Pois é, no segundo dia da feira não tinha jogo e os peixes grandes já estavam nas sacolas de outros.

Ainda bem que você não seguiu os Verissimo, imagina um clone do boca!!

Abraços, Cristina Duarte
Saramar disse…
Jean, que delícia de texto. Não queria que acabasse e fiquei lendo aos pouquinhos. Me bateu uma vontade doida de visitar essa feirinha. Mas, ai, tão distante!
Sinto saudades das feiras realizadas na rua, quase artesanais.
Essas feiras de hoje, cheias de luzes e vendedores agressivos me assustam bastante.

Beijos