Enfim o começo

Demos por encerrado o ano, antes de qualquer outro motivo porque o ano acaba e, especialmente agora isto me parece feliz, nós continuamos. Demos por encerrado o ano. Sem balanço, sem fechamento – nada de contabilidade. Façamos uma concessão às protocolares festas de encerramento, nada ao protocolo, tudo à festa. Já não estão todos, o que deveras comprova que eles não eram indispensáveis e demonstra que nós também não somos. Brindemos, pois aqui estamos! O brinde é a alegria dos copos. Bebamos em copos alegres.
Os que desfrutamos da rica e despojada amizade, reunamo-nos para exercitar e aquecer esta feminina graça viril. Esgrimemos então nossas opiniões, sem estender ao tédio o espetáculo do duelo. Façamos casualmente o máximo e nos impressionemos com o nosso potencial.
Depois afastemo-nos aos poucos dessas nossas hábeis, sinistras, destras razões e, observando-as ali reunidas, comecemos com leves sorrisos o banquete de gargalhar delas todas, das suas flexões em camisetas de física, dos seus músculos untados daquele brilho escorregadio, do seu exibicionismo renitente. Gargalhemos da razão, gargalhemos da história, gargalhemos da invenção. Exercitemos a graça de existir a pleno – gargalhemos de coração.
Demos por encerrado o que nos encerra. Partamos rumo ao nosso melhor. O feliz imensurável momento. O feliz incompreensível momento. O feliz compartilhado momento. A felicidade é uma alma rápida. Quem não a acompanha diz que ela é passageira. Que nada! A felicidade é uma alma ligeira. Mais veloz que tempo, luz, pensamento. Primeiro aprender que o tempo finda e, igualmente importante, aprender que o tempo começa, é fundamental para adquirir sua velocidade e manter-se no lombo dela. Um momento feliz nos teletransporta. Já os problemas ganham pernas quando os carregamos. Amarremos frustração e culpa pelos rabos neste ano que finda - que se acabem com ele. Joguemos fora aquele monte de coisas inúteis e incômodas em que sempre batemos a canela e a testa – explodirão com os últimos minutos descendo o espiralado ralo. Concedamo-nos leveza nestes dias. Invés de inaugurar um ano, inauguremos a vida e o mundo, como uma vez já fizemos. Vamos à mesa, à cama, ao mar; vamos aos outros de alma limpa e coração puro, como sabemos que originalmente eles são. Gozemos a graça única e simples de ser gente e estar vivo. E ah! A deliciosa graça de estarmos juntos. Brinquemos! Brinquemos porque o tempo finda. Brinquemos porque começa o tempo. É o desejo de Jean Scharlau para todos que convivemos neste planeta (que venha a ser possível) e em especial aos visitantes deste sítio.

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