Como é bom ficar velho!


Ei! O velhinho aí da primeira fila! Estás rindo do quê? Deixa eu concluir: Como é bom ficar velho e desnecessário! Ah, agora gargalhas? Pois então toma cuidado com a gabolice que ataca alguns velhos, e muitos novos, aquela de se pretender mais necessário do que é. Nem vou falar da bobice insana de sonhar ser imprescindível – há alguns poucos que efetivamente o conseguem, nas homenagens póstumas. Necessário é o cara que realiza as tarefas necessárias. E quem quer isso, quando é novo? A gente faz por que precisa fazer e isto vai aumentando enquanto nos tornamos e permanecemos adultos – nos tornamos 'necessários' em épocas e fases da vida. Há quem se acostume a esse papel e queira desempenhá-lo até morrer. Eu, não! Eu sinto a graça da tarefa concluída e a alegria do recreio a cada vez que noto uma nova desnecessidade de minha participação.

Devemos lembrar que estamos aqui por diversão e brincadeira, pois somos filhos naturais do prazer, ainda que o trabalho é que nos sustente. Quando soube da gestação de minha primeira filha comecei a constatar, surpreso e abismado (de cair em mim), que filho é muito mais que obrigações e necessidades, é uma multiplicidade de comprometimentos, prazeres, saberes. E isto, minhas jovens, deve ser deixado sempre ao alcance das crianças – a evidência de que conviver com elas é um prazer! Educar, vestir, alimentar, transportar, proteger, assegurar, demanda esforços, são necessidades que temos que satisfazer e nos tornam mais 'necessários' nessa época e situação, mas o fazemos com tanto gosto quanto fazemos por nós mesmos – pelo menos a maioria de nós o faz assim, suponho, e principalmente as mães, que têm ligações mais estreitas com as crianças e por isto mesmo dão e recebem mais delas.

Quando porém começamos a passar de adultos a idosos, quando descemos os degraus da segunda para a terceira idade. Não, espera um pouco! Devido às dificuldades crescentes talvez estejamos a subir essa escada, onde o degrau recém alcançado logo desaparece enquanto pousamos o pé no próximo, de onde torcemos para que haja mais. Um dia os degraus acabam. Ao passar da fase dois para a fase três desse jogo, não é que os obstáculos aumentem, o que acontece é que o avatar perde algumas habilidades e poderes e tem que começar a usar os créditos e saberes que eventualmente tenha acumulado nas fases anteriores. Nessas circunstâncias é natural que queira se livrar de tarefas que já não tem capacidade de desempenhar ou que lhe custem esforços maiores e muitos créditos. Nem sempre é possível, mas quando acontece, essa liberação é bem vinda como um bônus extra.

Não, a vida não é um vídeo game ou qualquer outro jogo – se fosse seria muito chata e limitada – mas os jogos exercitam e reproduzem aspectos, esquemas, arranjos da vida humana em suas organizações pessoais e sociais. No jogo social real que desenvolvemos ao longo de milênios, estudar é creditar-se para poder jogar melhor. Assim gostamos muito de ver nossas crianças se preparando para esse jogo real, pois queremos que tenham as boas sensações que tivemos, e ainda melhores, e também menos dificuldades e poucas experiências desagradáveis. Gostamos mais ainda quando elas, jovens, começam a produzir meios para a própria subsistência e progresso, além de se preparar para o futuro. Isto é bom para elas e para nós, pais, pois, a continuar na metáfora dos jogos, vemos a família como um time, em que todos jogando bem terá maiores possibilidades e sucessos.

Ficar velho é bom, porque significa que ainda se está no jogo. Ser velho e desnecessário é melhor porque significa que o time está jogando tão bem que em vez de saltar obstáculos o velho pode sair para pescar e pegar um solzinho na praia.

Sexta-feira minha primogênita, Duhanne, que trabalha desde os 19 anos durante o dia e estuda à noite, recebeu seu diploma universitário, aos 23 anos, e após a solenidade de colação de grau recepcionou por sua conta 40 convivas, entre amigas e parentes mais chegados, em um ótimo restaurante, onde eu compareci como convidado, sem ter feito ou contribuido com nada além da minha bem humorada presença.

Duh, cheguei a pensar em comprar uma vara de pescar e umas bermudas, mas aconteceu que senti o ânimo tão renovado com essa capacidade de jogo independente e eficaz que mostraste, que fiquei mesmo foi com vontade de jogar mais uma temporada. Obrigado, filha, pela bela renovada que proporcionas a este velho coração jogador.

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