51 anos de som cavalgando a fúria, a alegria e outros bichos

Até  completar 16 anos eu ouvia rádio, cada vez mais dentro do carro, pois o usuário preferencial do rádio da casa era o meu pai. E ali as músicas também não podiam desagradar à minha mãe. No aniversário dos 16  ganhei o imensamente sonhado toca discos, com duas caixas poderosas e rádio FM, que era uma novidade em 1977*, quando Porto Alegre tinha só umas  3 ou 5 emissoras FM**. Era um 'dois em um' Grundig. Fomos buscá-lo, eu e a Mãe, no Marinha Magazine, da Av. São Pedro. Comprei na hora também meu primeiro disco, para inaugurar o Pleno Alemão, e para isto escolhi a Nona Sinfonia do velho Beetho. Vários vizinhos e vizinhas foram curados da surdez com esse disco milagroso.

Os discos eram caros e consequentemente tínhamos poucos - eu, meus primos,  prima e  amigos (meus irmãos eram novos ainda) também precisávamos comprar outras coisas como, no meu caso, o Coojornal, o Pasquim  e o volume do mês de Os Pensadores. Isto, mais a grana para uma cerveja e um X no final de semana exauria toda a Bolsa Adolescente que eu recebia do Pai e da Mãe. Assim, para diversificar e ampliar as possibilidades musicais da juventude tinha um lance muito democrático e participativo que eram as fitas K7 (cassete), onde se podia gravar as melhores músicas dos discos dos amigos e das rádios e ouvi-las em casa e no toca-fitas do carro. Sensacional, só que... eu não tinha um 'três-em-um' para gravá-las (toca discos, rádio e toca fitas) e o nosso carro não tinha toca-fitas, então essa barbada teve que esperar  alguns anos para acontecer. 

Na década de 80 chegou ao Brasil o walkman, inventado pela Sony, que era um toca-fitas e rádio um pouco maior que a fita K7, com fones de ouvido para caminhar pelaí ouvindo música. Também não rolou pro meu lado, porque eu levava a minha  granolina para outras aquisições e desperdícios. Mas lá pelo meio da década de 80 comprei um deck, um tape-deck, com controles individuais de gravação para os canais estéreo, microfone e tals. Gravei centenas de músicas, a maioria selecionada da programação das rádios. Então eu já tinha uma boa discoteca e essa incipiente fitoteca.  

Daí nos anos 90 o CD veio com tudo.  Mas não derrubou ninguém aqui em casa. Aqui o CD apanhou, não arranhou nenhum vinil nem rebentou a fita. Tenho alguns CDs, é verdade, desde 95, mas são poucos, bem menos que os discos de vinil. De um ano para cá ouço-os no carro, desde que comprei um carro velho que veio com tocador de CD. No CD acho meio chato esse negócio de não poder ler os nomes das músicas  direto no disco e colocar com a mão a faixa que eu quero, como faço no vinil.

Todo mundo trocou sua discoteca preta pela branca. Exceto eu e mais o pessoal que frequenta a feira do vinil no Mercado Público.  Os pretos são grandões, os brancos são pequenos. Agora os brancos estão sendo trocados por uns tiquinhos de nada, mas que tocam muito mais tempo, de cumpridão, e também pela Internet, que não tem tamanho nem forma nem cor e toca  o tempo  todo.

Meu irmão Gensel, que na época do início desta história era  3 anos e 3 meses mais novo que eu, me mandou agora há pouco, lá de Maceió, o link para umas boas músicas italianas que escutava pela Internet. Ele foi morar lá e, por dificuldades e facilidades, deixou aqui a sua discoteca  preta.  Que maravilha que existe a Internet! Assim podemos escutar juntos  a mesma música  em Porto Alegre e Maceió, como no início dos anos 80 escutávamos as músicas do quarto ao lado e nos 90 e 2000 a trilha sonora dos churrascos.

Já eu continuo com meus vinis, vede, ouvintes! Ainda os acho o melhor para escutar com dedicação exclusiva em casa. Mas quando estou só e quero companhia, para  compartilhar sensações, sentimentos, percepções musicais,  melhor é o rádio, a internet e, disparado na frente, as reuniões dançantes,  conversantes e cantantes.

Li um artigo na Internet onde fiquei sabendo que dois cientistas, baseados em suas descobertas, especulavam que a produção do pensamento e outros prodígios cerebrais poderia dar-se não por reações eletroquímicas entre as células, mas por uma forma bastante similar ao que seriam ondas sonoras  emitidas e recebidas de um neurônio a outro e de outro a um. 
Para  mim isto soa muito bem.



    (*) O INÍCIO DO RÁDIO EM FREQUÊNCIA MODULADA ( F M )
    O norte-americano Edwin Howard Armstrong, era um amante da música e se sentia insatisfeito com a qualidade das rádios AM.   É que as ondas desse tipo de rádio se propagam para lugares distantes, mas estão sugeitas a muitas interferências.   Por isso, em 1912, Armstrong produziu o primeiro transmissor de frequência modulada, inventando a rádio em FM.   As primeiras transmissões confirmaram que ela exibia uma fidelidade muito melhor, porém com menor alcance.   As grandes redes americanas reagiram, temerosas de que a FM fosse uma ameaça.    Depois de uma demorada briga no Judiciário e com suas patentes ameaçadas, Armstrong se suicidou em 1954.  A FM só vingou na década seguinte. (Revista Galileu nº 90 Editora Globo  - http://www.bn.com.br/radios-antigos/sabia.htm)

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