Wilde: to be born better (para nascer melhor).

Para minhas filhas e também para o Pedro Domingues.

Para entender algumas coisas eu sou muito retardado. Por exemplo: Até hoje eu nunca tinha entendido bem o que se pretendia dizer com a expressão “A vida imita a arte”. Parecia-me um contra senso, pois como é que a vida, algo tão imenso, ilimitado, autônomo, poderia imitar algo tão restrito e resultante dela mesma, da vida? Ou seja, a arte me parecia óbvio resultado da vida, e não o contrário. Poderia dizer em favor da minha impressão que tanto a vida imita a arte quanto os pais herdam dos filhos. Bom, isto até hoje, quando fui levado por Oscar Wilde em seu livro Aforismos a entender o significado desse enunciado, original dele mesmo, ao que parece. Transcrevo-o abaixo, com a respectiva explicação de Wilde.

"A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida... Os gregos adivinharam esta verdade com aquele maravilhoso instinto artístico que tinham, e colocavam no quarto da noiva as estátuas de Hermes ou de Apolo, para que ela parisse filhos tão lindos quanto as obras de arte que podia ver nos momentos de êxtase e nos momentos de angústia. Eles não só sabiam que a vida adquire da arte a espiritualidade, a profundidade do pensamento e do sentimento, o sofrimento ou a serenidade do espírito, como também sabiam que pode até moldar-se nos traços e nas cores da arte, espelhando então a dignidade de Fídia ou a graça de Praxíteles. Daí a hostilidade dos gregos pelo realismo. Eles eram contrários ao realismo por questões meramente sociais. Achavam que o realismo torna feia a raça, e estavam perfeitamente certos.”

Aí está! Wilde não se referia à vida em geral, mas às pessoas, à parte inteligente, auto moldável, apreensível da vida, aos seres compreensivos, aos seres sociais, aos seres passíveis de indução e melhorias voluntárias. Aprendemos o que está e imaginamos algo melhor, mais belo. Tornamos então esse imaginário parte de nosso plano ideal, das pretendidas melhorias, nos inspiramos a persegui-lo, a realizá-lo, a dar vida ao que inventamos. Sim, somos seres que podemos nos moldar segundo nossa própria vontade, segundo nossa imaginação, e o fazemos cotidianamente. Daí a importância da arte, do pensamento, do ideal – que elevam nossa capacidade de inventar, escolher, melhorar nossa existência.

Individualmente passamos na vida por fases digestivas, apreensivas, nutritivas, que nos geram muitos pensamentos e expressões residuais e, na melhor das hipóteses, reflexivas. E também temos nossos felizes momentos inventivos, criativos, onde geramos o novo, o belo, arte, o ideal digno de inspirar a vida, a nossa e a de outros, contemporâneos e sucessores.

Daí concluo que sim, a nossa vida imita a nossa arte, a arte que apreciamos, a arte que criamos e a que nos é oferecida e aceitamos como desejável e, por consequência, concluo fundamentalmente que ao escolhermos a arte que apreciamos, o ideal que desejamos, estamos também escolhendo o futuro que queremos, a vida que eventualmente teremos nesse futuro, e que também legaremos.

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