Os bons, os feios, os sujos. E os maus.

No final do mês do cachorro louco recebi uma das grandes notícias da minha vida, não a profissional - feijão com arroz e bife -, mas a opcional, aquela do melhor restaurante onde se vai uma vez por semana, quinzena ou mês (sempre que possível) em companhia de amigos, amadas, irmãos.

Fui convidado por meus irmãos piratas em armas (pena e teclado) Marcelo Carota e Lélia Almeida, a participar da Feira do Livro de Brasília, em uma távola redonda sobre jornalismo independente. Fiquei mudo de felicidade por vários dias, aqui no blog, e me preparava para na volta contar em canto a poesia de uma ode à alegria, à liberdade, à fraternidade. Mas eis que surgiu a pedra, a grande pedra no caminho, a que demos o nome de morte, e levou-nos um mestre, amigo, irmão, herói. Faz mais de dez dias que Fausto Wolff passou para lá dessa pedra.

Eu, logo que soube, em tormento e tormentas, corri a sentir pensar, tentei escrever, sabendo mas não que meus gritos não derrubariam essa pedra. Pensei, corri, gritei, falei, ri, chorei, para não ouvir o silêncio que vem de lá. Depois, de volta a Porto Alegre, longe dos amigos (in)comuns, esse silêncio me alcançou, mas ainda não estou aqui para contar isso ou escrever sobre o Fausto. Ainda não posso, nem sei se quero ou se é preciso.

Vim aqui lhes escrever porque tenho publicado lá na revista O Lobo os gritos de adeus e cantos de despedida de alguns seus outros amigos, fãs, admiradores e muitos deles têm manifestado perplexidade porque os admiráveis, sensíveis, solidários, os bons vão primeiro para o lado de lá da pedra e os crápulas, canalhas, egoístas, os maus restam aqui, longevos, ativos, muito à vontade e sim-senhores.

Vim aqui é dar pitaco nesse assunto: acho que isso acontece porque os solidários, os sensíveis sentem em si as dores, os horrores das feridas dos outros, o que os enfraquece para si mesmos e gasta-os muito mais rápido. Isto quando não são feitos de alvos em estandes de tiro pelos que só pensam em si, só cuidam de si, só sentem por si, os blindados em uma bolha psicótica contra as necessidades, os quereres, os sonhos, os problemas e dores da humanidade. Esses tornados moto-contínuos que se alimentam do altruísmo e confiança das pessoas e expelem às costas alheias os podres gases tóxicos de seus egos deformados e flatulentos de desprezo e maldades várias. É por isso que os vasos ruins não quebram: não se abalam com o que fere os outros e livram-se das podridões que carregam em si despejando-as no mundo com a maior naturalidade. O que vem de fora não os atinge pois eles, feito usinas radiativas, moedores de carne, fundem quem deles se aproxime que não tenha o mesmo verniz, a mesma blindagem.

Morrer cedo não é por si só uma coisa boa, mas é indício de muitas.
Desconfiem portanto dos que ficam velhos,
principalmente dos velhos que não se fizeram amados.

(Publicado dia 16.9.08 às 10:50)

Comentários

Anônimo disse…
Caro Scharlau
A morte, no meu entender, seja quem for a vítima será sempre uma grande sacanagem. E não me venham com esse papo de vida após a morte ou os eufemismos tipo "o fulano nos deixou", caralho. Porra, o fulano morreu e nos deixou com cara de tacho. É assim mesmo,com cê agá.

A morte do Fausto não podia ser diferente, mas com uma particularidade; deixa uma tristeza que jamais passará, como me deixou Tatiana, minha filha que morreu e no mês que vem completaria 29 anos. Ela não me deixou, ela morreu. Beijos aos que ficam.

Luíz Horácio
Sempre fui um leitor do lobo Wolff. Muito discordei dele, mas ele era inegavelmente um crítico contundente da nossa época. E sua crítica tinha humor, inteligência, perspicácia e ironia. Grande Fausto.
José Elesbán disse…
Pois é, Jean,
Já tenho me solidarizado contigo, com relação ao Fausto.
Por outro lado, espero que, quando o luto passar, ou amenizar se não passar, compartilhes mais da tua ida à Brasília.
Anônimo disse…
Cara, achei uma grandesíssima merda o Fausto ter morrido antes que eu pudesse tomar um chope com ele. Amava aquele velho bagaceiro mesmo sem conhecê-lo pessoalmente.