No meio do caminho tinha uma pedra

Em cima da pedra tinha um cervo, de pernas cruzadas. Estranhamente o cervo, além de cruzar as pernas, falou: "Libertas quae sera tamem". Eu, como não falo cérvio, contornei a pedra cuidadosamente, para não despertar ímpetos de mais estranhos comportamentos na ruminante criatura. Segui meu rumo, que é apontado unicamente pelo meu próprio nariz, o qual foi bater lá no Diário Gauche - onde bate quase todos os dias, pois que lá é um diário e meu nariz é um gauche.

Ocorre que lá pelas tantas, num texto sobre a Revolução dos Cravos, o Cristóvão escreveu "óculos pretos de haste larga (aqui no Brasil só viado usa disso)". Daí, em vez de cravos, ou revolução, começou-se a debater nos comentários política de linguagem, debate que espraiou para o texto posterior, sobre o deputado Clô de Ville. Olhem como foi ficando a coisa:

[Maristela] Cristóvão: Eu não acreditei quando li: "só viado usa disso", achei que já tivéssemos superado esse tipo de expressão e de conceito fora de lugar camarada....

[maine] Concordo com a Maristela. Por favor, preconceito não!

[Jean Scharlau] Fiquei curioso sobre o motivo pelo qual o termo viado deveria ser banido das redações camaradas - seria ofensivo a qual dos animais, ao humano ou o ao outro? (Sei que o outro se escreve veado, mas o imaginário popular igualou os dois). Em outras palavras, esta solicitação partiu da Corregedoria de Correção Política ou da Sociedade de Proteção à Fauna? O termo bambi também deveria ser banido? Pela tal lógica sim, e os termos garanhão, galo, gata, cachorra, potranca, gazela e outros não poderiam também ser usados nas redações camaradas, pois fazem referência a animais e comportamentos e atributos sexuais. Ou haveria por acaso discriminação sexual e animal nas recriminações a formas de livre expressão nas redações camaradas?

[Maristela] Caro Jean, frente a tantos problemas que a humanidade enfrenta esse assunto é sempre colocado em segundo plano, mas observe que sempre associamos aos animais todas as mazelas humanas, comparando de forma pejorativa, com exceção da questão virilidade masculina, o galo, por que de resto o reino animal paga a conta da nossa falta de caráter, nossa pseudo esperteza e tudo o que não queremos assumir como humanos, comparamos aos animais, vide o Veado, a galinha, o gato (ladrão) salvem os bichos!!!! abraços Maristela

[Jean Scharlau] Maristela, com este nome (o mesmo da minha irmã) e o jeito que escreves, deves ser uma gata. Eu não quero dar uma de galo, mas grito como quero-quero quando põe-se em risco nossa liberdade de expressão - chego a ficar uma arara. Não chegarei a gorila, fique tranqüila, pois hoje não estou com a macaca. Quero apenas alertar os gansos que há muita raposa querendo nos tirar para patos nessa questão do politicamente correto, principalmente em relação à línguagem. Note que a política mais correta, superlativa questão, aquela que mais demanda que urremos, ericemos o pelo e mostremos as garras, é a da liberdade de expressão, sem a qual é falar com mordaça, jamais soltar a franga, os cachorros e os outros bichos. Sou formigão por este tema e fico baratinado com esse negócio de que gay não pode ser viado. A tigresa de unhas negras não pode ser galinha? O bem dotado jumento não pode mais ser burro? Aí é que a porca torce o rabo - que novos cabrestos, buçais e maneias bolarão as raposas para manter os outros animais quietos, principalmente nós que andamos sobre duas, uma, quatro, três, ou oito patas, conforme bem nos aprouver? Para que a Senhora Liberdade abra as asas sobre nós, não podemos deixar que alguns lhe amarrem o bico. Abração!

Quer saber o que a Maristela respondeu? Vai lá no Gauche. O assunto continua nos comentários ao texto Revolução dos Cravos e depois no texto Clô e nos comentários a esse.

Comentários

Anônimo disse…
E eu exijo o meu direito de dizer, quando necessário se faz, "BICHA", uma palavra muito, mas infinitamente mais bonita do que a provinciana e anódina gay ("chique", "correta", porque importada - ora, façam-me a gentileza, dodóis do PC).
Engraçado: todos amigos bichas que tenho chamam-se, referem-se uns aos outros (ou, no caso, outras) como "bichas" mesmo. Estarão, quiçá, promovendo uma espécie de auto-preconceito?
Taí uma idéia pra conto: bichas rebelam-se contra o tirânico e ditatorial Patrulheiro Gay, o qual, como qualquer idiota ao qual se confere poder, confunde este com phoder, transformando em tédio tudo o que toca e diz. O nome? Ora, "A Revolução das Bichas", naturalmente.
Baita abraço, valente
Anônimo disse…
Tem momentos em que esse troço de politicamente correto é uma botinada no saco. Mas nem sempre. De minha parte não admito ser chamado de crioulo, moreno, moreninho, pardo ou pessoa de cor. Negro está de bom tamanho. Também não me importo de ser chamado de bagual.
Abraço.
(PS. Louvo o teu gosto por polêmica. Volta e meia vejo por aí as brigas que compras na blogosfera. Dá-lhe, garoto!)
Anônimo disse…
Caro Jean,
Meu inconsciente fez te chamar de André. Há muitos anos, na Libelu, tinha um camarada chamado André Scharlau.
Se quiseres conhecer o Aikido, me fala.
Visito regularmente o teu blog e o do Cristóvão.
Grande Abraço
Omar
Marconi Leal disse…
Que absurdo, seu Jean Scharlau. Chamando gay de viado, quando existem termos muito mais elegante e polidos, como fura-rosca e baitola. Tsc, tsc, tsc...
Saramar disse…
Jean, que saudade de você e dessa verve insuperável que você tem para ensinar a liberdade.
Fiquei muito tempo sem vir, mas a divergência política não pode impedir a mim, uma aprendiz de vir admirar e me deleitar com sua prosa. E os versos então (já li ali).
Sou sua admiradora antiga e continuo sento.

beijos
P.S. Virei sempre, como antes.